por Helena Sthephanowitz, para a RBA
publicado
14/08/2017 15h37,
última modificação
14/08/2017 17h48
Laycer Thomas / Ag. Câmara
Deputados tomam posse da atual legislatura. Depois
do golpe, reformas e livrar Temer de processo, estratégias para desviar
do confronto com os eleitores
Depois de a imprensa lançar ao público a ideia do voto distrital
– agora com o nome de "distritão" e só por isso apresentado como
novidade – mostrando em simulações que a modalidade deve reduzir a
bancada do PT na Câmara, a defesa do voto "distritão" virou o discurso
da vez entre os conservadores, sob alegação de que o eleitor conheceria
melhor o candidato a deputado ou vereador de seu distrito.
Quanto era presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) era o maior
entusiasta e defensor da ideia. Agora longe dos holofotes de Brasília,
parece que está governando de dentro da cadeia. A bandeira do
"distritão" agora é empunhada por Michel Temer, que orientou seus
aliados a aprovarem o modelo na comissão especial da Câmara, na
madrugada de quinta-feira, durante sessão que debatia a reforma
política.
Também são defensores do "distritão" o PSDB e o ministro Gilmar
Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), com quem Temer tem mantido encontros – inclusive fora
das respectivas agendas oficiais – para, segundo eles, discutir a
reforma política.
Entre os tucanos, o mais engajado em alterar o sistema eleitoral que
está na Constituição é o senador José Serra (SP). Em 2015, a Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania do Senado aprovou a (PLS 25/2015), de
autoria dele, que institui o voto distrital para vereadores em cidades
com mais 200 mil habitantes.
Assim como Gilmar Mendes e Temer, Serra também prega o
parlamentarismo. Talvez o senador tucano esteja pensando na
possibilidade de ser nomeado primeiro-ministro apesar de derrotado duas
vezes nas urnas, quando se candidatou a presidente.
Diferentemente do sistema atual, que vale a soma do número de votos
de todos os candidatos e da legenda, o distritão transforma a eleição
para deputado numa disputa majoritária. O sistema enfraquece os
partidos, reduz a representação das minorias e dificulta a renovação do
Congresso.
Quem ganha com isso são os políticos já com mandato, além de figuras
conhecidas do grande público, como artistas e jogadores de futebol. Ao
propor o distritão, os tucanos manobram para permanecer no poder. Não
por acaso, a base de apoio da ditadura na imprensa tradicional (Globo,
Veja etc.) é a mesma engajada na campanha pelo voto distrital.
No apagar das luzes da ditadura brasileira, em 1982, os feiticeiros
políticos da Arena (partido de apoio à ditadura, ancestral do DEMos),
quando perderam o controle sobre o voto popular, tentaram permanecer no
poder reintroduzindo justamente o voto distrital, (agora distritão) por
meio da Emenda Constitucional 22, de 29 de junho de 1982.
Não deu certo. Tal emenda não chegou a funcionar, pois antes das
eleições de 1986, foi revogado com o fim da ditadura, pela Emenda
Constitucional 25, de 1985. A Constituinte cidadã de 1988 decidiu por
manter o voto proporcional.
E quem acha que pior do que está o Congresso, não fica, precisa pensar duas vezes. A coisa pode sim, ficar bem pior.
A elite só pensa por um lado: que um distrito como Higienópolis,
bairro nobre em São Paulo, poderá eleger facilmente um político como o
tucano Fernando Henrique Cardoso. Que o distrito da Savassi em Belo
Horizonte ou o Leblon, no Rio, elegeria sem muito esforço alguém como o
senador tucano Aécio Neves.
Mas e nas regiões ainda controladas pelo tráfico ou por milícias?
Quem seria eleito nos distritos de algumas comunidades carentes do Rio
de Janeiro? Quem seria eleito em bolsões da periferia de São Paulo, onde
a organização criminosa PCC tem presença marcante e constante?
Nestes lugares o crime organizado impõe a lei do silêncio, até o
toque de recolher. Se o voto for confinado ao distrito eleitoral, quem
vai ganhar a eleição não será o direitista demo-tucano, nem o
esquerdista do PT ou do PcdoB. Será o candidato do tráfico ou da milícia
(máfia de policiais) alojado em qualquer partido.
No Rio de Janeiro, o DEM já deu legenda para eleger gente como, por
exemplo, o ex-deputado estadual Natalino Guimarães, que está preso,
acusado de chefiar o grupo de milicianos Liga da Justiça.
Rio e São Paulo são emblemáticos, mas o quadro se repete em quase
qualquer metrópole brasileira. O resultado trágico da adoção dessa
modalidade de voto nas eleições pode ser a infiltração do crime
organizado no Congresso, mais do que casos isolados.
O Brasil correria o risco de ver aqui situação parecida com a que
sofreu a Colômbia, no auge do megatraficante Pablo Escobar, quando os
cartéis das drogas controlavam províncias inteiras.
Os defensores do "distritão" argumentam que o eleitor exerceria maior
controle sobre o deputado, por haver maior proximidade. Não passa de
teoria que não se sustenta na realidade. O controle pelo eleitor depende
de sua consciência política e interesse para acompanhar o desempenho de
seu representante, e não do sistema eleitoral pelo qual ele foi eleito.
A intenção oculta das oligarquias defensoras do voto "distritão" é o
contrário: é o maior controle dos caciques sobre o eleitorado do
distrito, como ocorria nos currais eleitorais.
Para oligarquias inescrupulosas é mais fácil comprar votos e manter
controle dentro de um pequeno eleitorado confinado em distritos, em vez
de um eleitorado de massas.
Então, é melhor deixar de lado o oportunismo de ocasião na defesa do "distritão", e qualificar o debate.
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